Em Portugal, costuma-se dizer que quando algum fato ou notícia envolve o Benfica sua repercussão ganha contornos gigantescos, diante da popularidade e do tamanho de sua torcida. Em que pese a ausência de títulos importantes nos últimos 15 anos (nesse período, o clube da Luz soma apenas dois campeonatos nacionais, em 1994 e em 2005), os encarnados ainda representam em Portugal algo similar ao que é o Flamengo no Brasil: maior clube de massa, com um passado cheio de glórias e um presente que resvala a decadência. Pois um novo capítulo vivido na semana passada serve para corroborar a impressão de que, com os Águias, as coisas ganham sempre novas dimensões.
Na noite do dia 3 de julho, Luís Filipe Vieira foi reeleito presidente do clube com esmagadores 91,74% dos votos. Seu concorrente, Bruno Carvalho, obteve apenas 2,7% e ficou atrás até dos votos em branco, que somaram 5,6%. A despeito da vitória inconteste de Vieira, cabe referir algumas práticas um tanto quanto discutíveis dessa democracia benfiquista. Sim, pois é preciso lamentar a forma pouco elegante como se desenvolveu o processo eleitoral e a falta de fair play de ambos os concorrentes. Aliás, por pouco que a eleição não foi cancelada na véspera por mais uma decisão judicial que se mostrou inócua.
Luís Filipe Vieira elegeu-se presidente do Benfica pela primeira vez em novembro de 2002, e conseguiu a primeira reeleição para o cargo em outubro de 2006. Em 2009, ano de novas eleições presidenciais no clube, o mandatário demitiu-se num golpe oportunista, antecipando em três meses o pleito. Seus detratores o acusam de ter inviabilizado a articulação da oposição, em virtude do prazo exíguo para o registro de postulantes ao cargo. Ao que tudo indica, Vieira agiu respeitando os estatutos – mas desrespeitando a ética e demonstrando uma falta de segurança preocupante.
O presidente da Assembléia Geral em que se realizou a eleição foi Manuel Vilarinho, último presidente do Benfica antes de Vieira, do qual é apoiante. Indagado por um repórter da RTP se estava preocupado com a possibilidade de anulação do resultado do pleito, em virtude da interposição judicial feita na véspera pelo candidato derrotado, Bruno Carvalho, Vilarinho foi categórico: “Estou me cagando para isso”. O telejornal da RTP apresentou a declaração na íntegra, sem corte de áudio. Tanto a declaração como a confusão eleitoral no Benfica só têm similar, de fato, nos grandes clubes de massa. É pouco provável imaginar algo desse tipo no Porto ou no Sporting, só para ficarmos nos casos portugueses.
Ótimo no patrimônio, péssimo nos resultados em campo
Fato é que o adepto benfiquista sempre foi um grande crítico de Luís Filipe Vieira. A reeleição acachapante do cartola pode representar, no entanto, a falta de opções que o associado teve na escolha do maior mandatário para o maior clube português. Sócio e torcedor de clubes de massa preferem sempre títulos e taças para a sala de troféus. E, nesse ponto, Vieira tem sido um fiasco, com opções nem sempre felizes. No seu reinado, o Benfica nunca conseguiu manter um técnico no comando do clube por duas temporadas inteiras e consecutivas – ao contrário do que se tem visto no Porto e no Sporting. Os últimos fiascos nas competições européias e a falta de campeonatos domésticos também destoam dos montantes gastos em contratações nas últimas temporadas. O Benfica tem comprado mal e não tem conseguido vender bem, prática que o Porto domina com maestria.
De todo modo, pelo menos o sócio benfiquista não se pode queixar das realizações que Vieira tem feito com relação ao patrimônio do clube. Vieira foi um dos maiores incentivadores por um novo estádio para a Eurocopa de 2004 - e o novo Estádio da Luz foi construído em tempo recorde, mantendo o Benfica como maior recinto futebolístico do país. Para além do estádio, foi com Vieira que o Benfica ganhou um centro de treinamentos moderníssimo, um pavilhão de esportes e um parque aquático.
De sobra, num ostensivo apelo de marketing, Vieira conseguiu inscrever o nome do Benfica no Guiness Book como o maior clube do mundo em número de sócios. Se o presidente reeleito começar a ganhar títulos como o Porto vem fazendo ultimamente, é capaz que o sócio do Benfica nem queira mais ter novas opções nas eleições vindouras – e eternize-o no poder tal qual Pinto da Costa criou raízes pelos lados do Dragão.
Texto: www.trivela.com
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