De Mourinho a Guardiola. A divisão do “mundo futebolístico” a partir de diferentes expressões, estilos e personalidades. O sagrado e o profano
A certo ponto de Casino, existe uma cena em que Robert de Niro, deixa claro a sua personalidade: “Repara bem, existem três formas de fazer as coisas: bem, mal ou…como eu as faço!”. Pouco importa agora que a personagem não tivesse grandes escrúpulos. O que está em causa, para perceber a chamada “terceira dimensão da vida” em que poucos entram, é o terceiro caminho. Pensemos, pois, em futebol.
A um treinador exige-se o que se pede a um líder: que nos leve por caminhos que só ele conhece. A melhor forma para ganhar admiração por um treinador é quando olhamos para a equipa a jogar, detectamos um estilo próprio e não temos dúvidas que tudo aquilo é obra sua. Podem ter, claro, diferentes formas de expressão, mas a sensação de personalidade forte é a mesma.
Mourinho e Guardiola têm trajectos de vida no futebol que vêm de longe. De locais distintos. Guardiola começou como apanha-bolas do Barça, quando o onze catalão vivia da fúria e a figura idolatrada de quem corria atrás quando o jogo acabava era um médio que parecia ter sido feito à navalha, o guerreiro Victor. Depois, jogou muito e andou na Equipa B. O resto é história. Mourinho surgiu no grande futebol visto como um mero tradutor do inglês Bobby Robson e antes andara como adjunto na Amadora ou a dar aulas perto de Setúbal. Depois, estudou muito, mostrou o que podia ser no U. Leiria. O resto, também é história.
Hoje parecem viver em pólos opostos em termos de método e discurso futebolístico. Dentro e fora do campo. Guardiola seguiu os ensinamentos de Cruyff e fundou a sua própria “igreja futebolística”. Os seus admiradores mais devotos vêm jogar o actual Barça com a bola de pé para pé, girando por todo o campo, nas botas de baixinhos loucos (Xavi, Inieta, Messi..) ganhando títulos atrás de títulos e dizem que tudo aquilo é “guardiolismo” puro. A grande vitória desta equipa é que nunca deixa cair o estilo, mesmo quando bate o minuto 85 e o golo não aparece. Pep não desespera e de pé junto ao relvado ouve-se a sua voz. “vamos, começamos outra vez!”. E outra vez. Até ganhar.
Mourinho pisa terrenos mais “minados”. Soube crescer em cada desafio que teve ou promoveu. Os chamados “mind games” não são mais do que puxar o jogo para aquilo onde é forte: a arte do conflito. Cresce com os inimigos, reais ou imaginários. Mas, em campo, as suas equipas endureceram o seu discurso (isto é, a forma de jogar). Ao contrário da obra de Guardiola, os projectos de Mourinho não tem qualquer hipótese de ganhar um concurso de beleza futebolística. O primado do músculo (do peso e da altura) por cima do talento puro, gera equipas que pisam forte mas que, depois, têm dificuldade em falar “ao ouvido” à bola. A capacidade de sedução de Mourinho permanece mas o charme discreto com que abria o guarda-chuva antes dos primeiros pingos começarem a cair tem agora de resgatar a tal sensação de estar a guiar-nos por caminhos que só ele conhece. Como fez no Porto ou no Chelsea. A capacidade de reinvenção é o segredo para os grandes líderes (treinadores e suas equipas) manterem-se sempre no top.
Não sei se daqui a alguns anos, Guardiola, noutro casulo estilístico, também chegará a este “beco da personalidade”. Hoje, os dois vivem, na transmissão de emoções, em pólos opostos. Mourinho joga “contra o mundo”. Guardiola joga “empurrado pelo mundo”. O Inter joga de sobrolho carregado. Bolas mais divididas, músculo, pressão, arrombando defesas. O Barça joga com um sorriso solto. Bolas que passeiam na relva, passe, desmarcação, hipnotizando defesas.
O fundamental, no longo caminho, é nunca trair um estilo, mesmo no dia em que de repente, quando já sabíamos todas as respostas, a vida mudou todas as perguntas. No futebol isso sucede muitas vezes. É então que não interessa fazer bem ou mal. Interessa, como De Niro, fazer as coisas como…“eu as faço”. E ganhar. Ou perder. By: Luis Freitas Lobo
In: www.planetadofutebol.com
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